É bastante conhecida a história da vinda de Orson Welles ao Brasil, em 1942, como parte da política de boa vizinhança do governo Roosevelt em relação à América do Sul. A viagem rendeu o filme inacabado It’s All True (É Tudo Verdade), que virou mito do documentário mundial e nome do nosso maior festival na modalidade. Bem menos difundida é a missão confiada a Walt Disney, um ano antes, de visitar três países sul-americanos como embaixador da boa-vontade dos EUA.
Walt Disney & El Grupo é quase o filme definitivo sobre a expedição que fez nascer o Zé Carioca. Só não é melhor porque esvazia consideravelmente o sentido político de uma viagem que, para o governo dos EUA, era puro esforço de guerra, a um custo de meio milhão de dólares. Tratava-se de conquistar a adesão dos governos sul-americanos à causa aliada, usando talentos máximos de Hollywood como Welles (logo após Cidadão Kane) e Disney (logo após o sucesso estrondoso de Branca de Neve e os Sete Anões). O filme menciona muito brevemente esses aspectos de fundo, dedicando-se mais ao pitoresco da viagem e à questão empresarial.
Os estúdios Disney enfrentavam uma greve renhida enquanto preparavam o lançamento do recém-concluído Fantasia. O afastamento do chefão por dez semanas serviria tanto para poupá-lo dos dissabores sindicais, como para renovar as inspirações da equipe. Ele viajou com a mulher e 18 artistas topo de linha. Um deles era o animador de personagens Frank Thomas, pai de Theodore Thomas, o diretor de Walt Disney & El Grupo. O filme, portanto, é um produto “de dentro”, realizado sob os auspícios da Walt Disney Family Foundation. Theodore, por sinal, já havia realizado Frank and Ollie (1995), um documentário sobre a importância de seu pai e do colega Oliver Johnston na criação da identidade Disney.
O caráter “chapa branca”, se por um lado minimiza as motivações políticas do episódio, por outro permite o acesso a uma documentação preciosa da viagem, na forma de cartas, desenhos e filmes. São de arrepiar as cenas do “Grupo” (assim chamado pelos funcionários do Hotel Glória) no Rio, Buenos Aires, Montevidéu e Santiago, em esplendoroso Technicolor e num estado de conservação invejável. Imagens muito boas do Cassino da Urca no banquete oferecido pelo DIP de Vargas aos hóspedes ilustres.
Theodore Thomas e sua equipe repetiu os passos do grupo, entrevistando sobreviventes e herdeiros dos parceiros locais. É assim que o filho de Ary Barroso aparece relatando solenemente como chegou ao pai a inspiração para compor Aquarela do Brasil.
Há depoimentos saborosos e muito bem articulados com o material de arquivo, como as reminiscências a respeito do jogo dos “escravos de Jó” com caixas de fósforo.
Tal como reverteria para o filme resultante da viagem, Saludos Amigos (1942), o Brasil foi o xodó do grupo. O documentário não escamoteia essa preferência, mas até a enfatiza. A passagem pela Argentina é caracterizada como um tanto depressiva, apesar das muitas cenas de Disney se divertindo com as gauchadas e os asados. E o filme ainda tira um sarro com os boatos portenhos de que o criador do Mickey era um espião e que seu cadáver teria sido congelado para a posteridade. Os chilenos, por sua vez, se ressentem ainda hoje de terem sido representados por um aviãozinho sem graça chamado Pedro. Por causa disso, o doc pode até avivar pruridos dentro da América do Sul, funcionando, inadvertidamente, como “política de má vizinhança”. Tecnicamente, Walt & El Grupo é um filme vistoso, tradicional e quase sempre muito bem concatenado. Fica um pouco dispersivo na Argentina, um pouco prolongado no Chile, mas sempre com material de qualidade e uma edição caprichada que trabalha com os ecos do passado sobre o presente dos lugares. Não restam dúvidas de que a missão sul-americana provocou mudanças no estilo de alguns artistas e deixou marcas profundas por onde passou. Pena que o contexto da luta ideológica e geopolítica do momento seja diluído pelos coquetéis, a abordagem turística e uma certa compreensão da arte como algo imune a outros interesses.
Veja abaixo vídeos relacionados com esse post.
Fonte: O Globo 03.10.2008(texto de Carlos Alberto Mattos), e YouTube.
Walt Disney & El Grupo é quase o filme definitivo sobre a expedição que fez nascer o Zé Carioca. Só não é melhor porque esvazia consideravelmente o sentido político de uma viagem que, para o governo dos EUA, era puro esforço de guerra, a um custo de meio milhão de dólares. Tratava-se de conquistar a adesão dos governos sul-americanos à causa aliada, usando talentos máximos de Hollywood como Welles (logo após Cidadão Kane) e Disney (logo após o sucesso estrondoso de Branca de Neve e os Sete Anões). O filme menciona muito brevemente esses aspectos de fundo, dedicando-se mais ao pitoresco da viagem e à questão empresarial.
Os estúdios Disney enfrentavam uma greve renhida enquanto preparavam o lançamento do recém-concluído Fantasia. O afastamento do chefão por dez semanas serviria tanto para poupá-lo dos dissabores sindicais, como para renovar as inspirações da equipe. Ele viajou com a mulher e 18 artistas topo de linha. Um deles era o animador de personagens Frank Thomas, pai de Theodore Thomas, o diretor de Walt Disney & El Grupo. O filme, portanto, é um produto “de dentro”, realizado sob os auspícios da Walt Disney Family Foundation. Theodore, por sinal, já havia realizado Frank and Ollie (1995), um documentário sobre a importância de seu pai e do colega Oliver Johnston na criação da identidade Disney.
O caráter “chapa branca”, se por um lado minimiza as motivações políticas do episódio, por outro permite o acesso a uma documentação preciosa da viagem, na forma de cartas, desenhos e filmes. São de arrepiar as cenas do “Grupo” (assim chamado pelos funcionários do Hotel Glória) no Rio, Buenos Aires, Montevidéu e Santiago, em esplendoroso Technicolor e num estado de conservação invejável. Imagens muito boas do Cassino da Urca no banquete oferecido pelo DIP de Vargas aos hóspedes ilustres.
Theodore Thomas e sua equipe repetiu os passos do grupo, entrevistando sobreviventes e herdeiros dos parceiros locais. É assim que o filho de Ary Barroso aparece relatando solenemente como chegou ao pai a inspiração para compor Aquarela do Brasil.
Há depoimentos saborosos e muito bem articulados com o material de arquivo, como as reminiscências a respeito do jogo dos “escravos de Jó” com caixas de fósforo.
Tal como reverteria para o filme resultante da viagem, Saludos Amigos (1942), o Brasil foi o xodó do grupo. O documentário não escamoteia essa preferência, mas até a enfatiza. A passagem pela Argentina é caracterizada como um tanto depressiva, apesar das muitas cenas de Disney se divertindo com as gauchadas e os asados. E o filme ainda tira um sarro com os boatos portenhos de que o criador do Mickey era um espião e que seu cadáver teria sido congelado para a posteridade. Os chilenos, por sua vez, se ressentem ainda hoje de terem sido representados por um aviãozinho sem graça chamado Pedro. Por causa disso, o doc pode até avivar pruridos dentro da América do Sul, funcionando, inadvertidamente, como “política de má vizinhança”. Tecnicamente, Walt & El Grupo é um filme vistoso, tradicional e quase sempre muito bem concatenado. Fica um pouco dispersivo na Argentina, um pouco prolongado no Chile, mas sempre com material de qualidade e uma edição caprichada que trabalha com os ecos do passado sobre o presente dos lugares. Não restam dúvidas de que a missão sul-americana provocou mudanças no estilo de alguns artistas e deixou marcas profundas por onde passou. Pena que o contexto da luta ideológica e geopolítica do momento seja diluído pelos coquetéis, a abordagem turística e uma certa compreensão da arte como algo imune a outros interesses.
Veja abaixo vídeos relacionados com esse post.
Fonte: O Globo 03.10.2008(texto de Carlos Alberto Mattos), e YouTube.
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